segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Madonna, por que não?

Mais uma vez Madonna, mais um vez não vi, mais uma vez me arrependi. Por medíocre que seja a rima, é a realidade. Sou de outra geração, justifico a mim mesma. Mas minha filha é categórica: nada a ver, tudo a ver.
Li tudo, acompanhei linha por linha. Converso, discuto, ouço, aprendo. Confesso: não conheço nenhuma música dela. Ou conheço e não sei identificar. Para o bem ou para o mal, sou do tempo em que preparava meu coração pras coisas que ele ia contar, aquele que vinha lá do sertão e que podia não me agradar.
Naquela época vi quase tudo – sentada, bem instalada, muitas vezes tomado um uísque gostoso. Só em pensar em ficar de pé por horas, na espera, e mais duas horas de show (dançando, pulando ou não), meus pés incham-se e minhas pernas doem. Até enfrento shows no parque, devidamente acompanhada por uma almofadinha de ar que ameniza a dor dos meus ossos traseiros. Ou seja, a multidão não me assusta.
Sim, mas você pode perfeitamente ver da arquibancada, sentadinha. Ai, aí me dá uma preguiça que vem de não sei onde, penso nessas chuvas desvairadas de final de ano e me prometo, de novo, que na próxima vez em que ela vier, eu irei.
Primeiro, porque ela disse que voltará – e não será em 15 anos. Segundo, porque terei um bom tempo para me preparar – psicologicamente, repetindo a mim mesma que irei, irei, irei.
Meu corpo, no entanto, estará mais velho, e não é como o dela. Quer saber de uma coisa? Scarlet está certa: quando vier e se vier, pensarei nisso.
22.12.08

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Parabéns a você

- Ah, vamos, vá!
- Ah, não, só me faltava essa, agora!...
- Não temos nada o que fazer hoje, está um solzinho gostoso, vamos, vá! É apenas um programa diferente para uma tarde de domingo.
- Na minha opinião, um pouco mórbido demais. Você vai mesmo cantar parabéns?
- Ué, por que não? Qual é o problema? É a data do aniversário...
- Mas não tem sentido, não é, meu bem? É ridículo.

Um vaso com crisântemos amarelos, já meio velhos. Duas rosas escarlates, bem frescas, num buraco com água, direto no chão. Um cravo branco isolado, provavelmete roubado de algum defunto fresco, meio sem cabo, perdido entre os botões de rosas. Uma vela apagada.

- Ela está ali?, perguntou o menino com o dedo apontado para além da placa no chão.
- Não, meu filho. Você está pisando exatamente sobre a barriga dela.

Pulou para trás. Saiu rapidinho da grama. Aproxima-se um casal de idosos.

- Pois é, tanta gente gostava dela e hoje não tem ninguém aqui, né?, puxou conversa o senhor. Da próxima vez, trarei flores.
- Bem que eu queria ter trazido, ou comprado ali na entrada. Mas meu marido não deixou. Disse que era muita coisa pra cabeça dele, já bastava o fato de estar aqui...
- Outro dia tinha uma mensagem comovente, emocionante mesmo, aí no chão. Era de uma pessoa que estava pedindo desculpas a ela.
- É mesmo? Por que?
- Não deu para ler direito porque ele colocou a carta dentro de um plástico, mas choveu, a água entrou e borrou quase tudo. Acho que ele tinha feito alguma coisa que a prejudicou, estava arrependido e pedia desculpas. Bonito isso, mesmo passado tanto tempo.
- Mamãe, o papai está chamando.
- Parabéns a você, nessa data querida.

Apenas esse verso, que o outro não faz mais sentido. E saiu pisando firme na grama.

Convulsões de um tiro só (Lembranças amargas do Collor)

Orgulhosa da vida, entrei com o pedido do meu sonhado Classic, que me daria o status classe média com seu possante automóvel zero quilômetro. Na ocasião, vendendo meu Monza 86 e com um pouco do dinheiro que crescia na poupança, daria para pagar o veículo à vista. A fábrica não vencia a demanda: o zerinho querido iria demorar. Nos dois meses seguintes, coloquei mais um dinheirinho bem economizado para render, prevenindo para o futuro, pois não?
No terceiro mês após o pedido, comecei a notar o céu escurecendo. Ainda daria para pagar à vista, porém limpando toda a poupança, que já acumulara mais dois décimos terceiros salários.
"Que seja", disse aos meus botões. O desejo de consumo de um zero é maior do que tudo. Percebi que meus botões começaram a duvidar de tamanha ousadia, mas fui em frente, partindo ligeiramente despreocupada para as sonhadas férias, satisfação da família.
A essa altura, fazia quatro meses que estava aguardando a produção do carro. A inflação mordia, faminta, o salário mensal. Mais um mês, nada. "Vai dar, tem de dar", pensava. "Afinal, tanta gente comprando, comprando, comprando desvairadamente..."
Exatamente sete meses e sete aumentos à base de 20% depois, recebi a notícia de que o carro entrara em produção. Friamente, comecei a analisar minha situação financeira, agora já na esperança, digo esperança que desse para pagar. Ainda que não à vista, havia a possibilidade de um financiamento, apertando daqui, apertando dali. Comecei a fazer as contas.
O "meu" zero alcançara o preço de um milhão e setecentos mil cruzados. Meu velho Monza valia 800 mil. Portanto, um menos o outro, estava me faltando um milhão e cem mil. Ou, em outras palavras, um segundo Monza 86 e mais um tanto. Ora, tirando todo o dinheiro da poupança, vendendo aquela corrente de ouro que não dá para usar mesmo, ficando sem comprar alimentos por duas semanas, porque por um mês inteiro mato a todos de fome, vendendo aquele par de sapatos semi-usado que continua me pegando o calcanhar e também aquele quadro que ganhei no Natal, ainda assim preciso de 400 mil cruzados.
Resolvido: faço um financiamento. Peguei no telefone para saber sobre a taxa. Financiando 400 mil em nove meses, que é o maior prazo, teria de desembolsar mensalmente a modesta quantia de 120 mil, eu disse 120 mil cruzados. Se eu tivesse 120 mil para pagar o financiamento, não precisaria de 400, que é pouco menos do que a metade.
Com base nesse raciocínio, desisti do meu carro zero quilômetro.
E comecei a ter convulsões. Durante o banho, no meio da noite, fazendo o jantar. Até que me dei conta que era causada pelo tamanho da frustração do automóvel que eu não conseguira. Atualmente, estou processando o Governo, responsabilizando-o por minha histeria convulsiva. Que ele me pague o tratamento que venho fazendo ou que mate de vez a inflação. Não era um tiro só?

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Sonho?

Sonhei com você. Levantei-me maldizendo o mundo e cambaleei até a pia. Não tive coragem de erguer a cabeça. Fechei os olhos, passei a escova nos cabelos. A água fria no rosto me trouxe de volta à vida. Foi sonho, ah, sim, um sonho. Calquei os pés no chão, disposta a me firmar definitivamente na realidade. Em vão.
Senti um vulto, seu corpo atrás do meu. Era tão palpável que me virei:
- O que você quer?
Silêncio. O ladrilho branco, a toalha amarfanhada. A claridade entrando pelo vitrô. Revirei-me (decepcionada?). O barulho da água jorrando da torneira abafou (afogou?) meus pensamentos.
- Sou eu, ouvi, vagamente.
A sua respiração na minha nuca. Tão próximo (dentro?) que permaneci imóvel, atenta, para que o momento perdurasse.
- O que você quer?, sussurrei (pensei?).
A parede se esfumaçando, o espelho perdendo o foco, os joelhos vergando-se com o peso em minhas costas. Um choque percorreu meu corpo, saindo pelas mãos, pelos dedos, em forma de chuva. Fiquei molhada. Úmida. Uma garoa fina me alertou sobre o temporal iminente. Os pingos desviaram-se de seu corpo quase imperceptível.
Entreabri os lábios mas as palavras não chegaram a sair. Sufocaram-se com seus lábios contra os meus.

(para e.)

Calafrios

Gripei.
Quer coisa pior?
Ainda não sei o que é um câncer e a tal quimioterapia, nem tive uma pedra nos rins, cuja dor, dizem, é similar ao parto. Como já me esqueci das minhas duas dores do nascimento de meus filhos, posso afirmar que, para mim, não há nada pior do que a gripe.
Mal-estar generalizado, um corpo que eu gostaria de esfarelar aos poucos e deixá-lo descansando num cantinho da casa, para depois varrê-lo de vez para fora, numa ressaca congestionada - do nada.
A cabeça pesa. Será a inteligência aumentando seu volume? Mas me sinto tão embotada que muito provavelmente é a burrice que pesa. Fico assim, numa brincadeira de balanço com minha própria cabeça, num vai e vem que, espero, acalentador, espiando os minutos esvairem-se entre os dedos enquanto uma carência avassaladora toma conta do meu ser. Quero mamãe! Ao mesmo tempo em que formulo esse pensamento, percebo que o racional escapuliu pela janela.
É uma simples gripe, repito a mim mesma. Levanto-me corajosamente, com as pernas bambas, acendo um cigarro, sinto a dor da fumaça passando pela garganta irritada, e pego o relatório sobre a mesa. Preciso terminá-lo antes do almoço. (31.05.90)